segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Inquérito Policial

Inquérito Policial. Arquivamento sem manifestação do MP. Impossibilidade

EMENTA: AÇÃO PENAL PÚBLICA. MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL OUTORGADO AO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, I). FORMAÇÃO DA “OPINIO DELICTI” NAS AÇÕES PENAIS PÚBLICAS: JUÍZO PRIVATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DE PEÇAS INFORMATIVAS POR DELIBERAÇÃO JUDICIAL “EX OFFICIO”. NECESSIDADE, PARA TANTO, DE PROVOCAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES.
- Inviável, em nosso sistema normativo, o arquivamento, “ex officio”, por iniciativa do Poder Judiciário, de peças informativas e/ou de inquéritos policiais, pois, tratando-se de delitos perseguíveis mediante ação penal pública, a proposta de arquivamento só pode emanar, legítima e exclusivamente, do próprio Ministério Público.
- Essa prerrogativa do “Parquet”, contudo, não impede que o magistrado, se eventualmente vislumbrar ausente a tipicidade penal dos fatos investigados, reconheça caracterizada situação de injusto constrangimento, tornando-se conseqüentemente lícita a concessão, “ex officio”, de ordem de “habeas corpus” em favor daquele submetido a ilegal coação por parte do Estado (CPP, art. 654, § 2º).
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA SUPOSTAMENTE PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL. (DL Nº 201/67, ART. 1º, XIV). DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. DETERMINAÇÃO (NÃO ATENDIDA) DE INCLUSÃO, NO ORÇAMENTO DO MUNICÍPIO, DE VERBA NECESSÁRIA AO PAGAMENTO DE DÉBITO CONSTANTE DE PRECATÓRIO. DECISÃO QUE, EMBORA EMANADA DE AUTORIDADE JUDICIAL, FOI PROFERIDA EM SEDE MATERIALMENTE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO ESSENCIAL DO TIPO. CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- Não basta, para efeito de caracterização típica do delito definido no inciso XIV do art. 1º do Decreto-lei nº 201/67 – “deixar de cumprir ordem judicial” -, que exista determinação emanada de autoridade judiciária, pois se mostra igualmente necessário que o magistrado tenha proferido decisão em procedimento revestido de natureza jurisdicional, uma vez que a locução constitucional “causa” encerra conteúdo específico e possui sentido conceitual próprio. Precedentes.
- A atividade desenvolvida pelo Presidente do Tribunal no processamento dos precatórios decorre do exercício, por ele, de função eminentemente administrativa (RTJ 161/796 – RTJ 173/958-960 – RTJ 181/772), não exercendo, em conseqüência, nesse estrito contexto procedimental, qualquer parcela de poder jurisdicional.
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:
“PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE CRIME ATRIBUÍDO A PREFEITO. ARQUIVAMENTO DE OFÍCIO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 3º, DA LEI Nº 8.038/1990.
I – Somente o Ministério Público, a quem, no processo acusatório, pertence a titularidade privativa da persecução penal, tem a legitimidade para pedir o arquivamento do inquérito (Precedentes).
II – ‘Incumbe exclusivamente ao ‘Parquet’ avaliar se os elementos de informação de que dispõe são ou não suficientes para a apresentação da denúncia, entendida esta como ato-condição de uma bem caracterizada ação penal. Pelo que nenhum inquérito é de ser arquivado sem o expresso requerimento ministerial público.’ (HC 88589, 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 23/03/2007).
III – Destarte, nos termos do art. 3º, da Lei n 8.038/1990, compete ao Relator determinar o arquivamento do inquérito ou de peças informativas, somente quando o requerer o Ministério Público.
IV – Assim, na hipótese, deve ser cassado o v. acórdão objurgado que, ao deixar de remeter os autos ao titular privativo da ação penal pública e determinar o arquivamento do inquérito sem que houvesse manifestação neste sentido, subtraiu ao órgão do ‘Parquet’ a atribuição constitucional de ‘dominus littis’, violando o dispositivo federal apontado.
Recurso especial provido.”
(REsp 1.177.681/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER – grifei)
Sustenta-se, na presente impetração, a “ausência de justa causa para a continuação da investigação preliminar”, eis que se apura, consoante alegado nesta sede processual, “fato reconhecidamente atípico, gerando injusto constrangimento ao paciente” (grifei).
Não se desconhece que o monopólio da titularidade da ação penal pública pertence ao Ministério Público, que a exerce, com exclusividade, em nome do Estado. Trata-se, hoje, de atribuição de índole constitucional deferida, em situação de monopólio jurídico, à instituição do Ministério Público. A nova ordem normativa instaurada no Brasil, formalmente plasmada na Constituição da República, outorgou ao “Parquet”, dentre as múltiplas e relevantes funções institucionais que lhe são inerentes, a de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei” (art. 129, I).
Essa cláusula de reserva, pertinente à titularidade da ação penal pública, apenas acentuou – desta vez no plano constitucional -a condição de “dominus litis” do Ministério Público, por ele sempre ostentada no regime anterior, não obstante as exceções legais então existentes.
Essa regra constitucional (CF, art. 129, I) – consoante adverte a doutrina (CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/302, 2001, Saraiva; HUGO NIGRO MAZZILLI, “Introdução ao Ministério Público”, p. 124, item n. 24, 7ª ed., 2008, Saraiva, v.g.) – provocou, em face da absoluta supremacia de que se revestem as normas da Constituição, a imediata derrogação de diplomas legislativos editados sob a égide do regime anterior (RTJ 134/369, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que deferiam a titularidade do poder de agir, mediante ação penal pública, dentre outros, a magistrados e a autoridades policiais.
Em conseqüência do monopólio constitucional do poder de agir outorgado, ao Ministério Público, em sede de infrações delituosas perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, somente ao “Parquet” – e ao “Parquet”, apenas – compete a prerrogativa de propor o arquivamento de quaisquer peças de informação ou de inquérito policial, sempre que inviável a formação da “opinio delicti”.
Esse entendimento tem o beneplácito de expressivo magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. I/244-245, 11ª ed., 1989, Saraiva; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 121/122, 10ª ed., 2011, RT; ALBERTO SILVA FRANCO e RUI STOCO, “Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial”, vol. II/181-184, 2ª ed., 2004, RT; CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. I/394-395, 1ª ed., 2002, Edipro; DAMÁSIO DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 39, 23ª ed., 2009, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 116, item n. 17.1, 7ª ed., 2000, Atlas; EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 115, 3ª ed., 2010, Saraiva; PAULO RANGEL, “Direito Processual Penal”, p. 191, item n. 3.13, 16ª ed., 2009, Lumen Juris), bem assim da jurisprudência que esta Suprema Corte firmou na matéria (RTJ 92/910, Rel. Min. RAFAEL MAYER):
“‘HABEAS CORPUS’. PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO DA SUPOSTA PARTICIPAÇÃO DE SARGENTO DE POLÍCIA NA PRÁTICA DE ILÍCITOS. ARQUIVAMENTO, PELO JUÍZO, SEM EXPRESSO REQUERIMENTO MINISTERIAL PÚBLICO. (…).
1. O inquérito policial é procedimento de investigação que se destina a apetrechar o Ministério Público (que é o titular da ação penal) de elementos que lhe permitam exercer de modo eficiente o poder de formalizar denúncia. Sendo que ele, MP, pode, até mesmo, prescindir da prévia abertura de inquérito policial para a propositura da ação penal, se já dispuser de informações suficientes para esse mister de deflagrar o processo-crime.
2. É por esse motivo que incumbe exclusivamente ao ‘Parquet’ avaliar se os elementos de informação de que dispõe são ou não suficientes para a apresentação da denúncia, entendida esta como ato-condição de uma bem caracterizada ação penal. Pelo que nenhum inquérito é de ser arquivado sem o expresso requerimento ministerial público.
……………………………………………….
5. Ordem denegada.”
(HC 88.589/GO, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)
Vê-se, portanto, que se mostra inviável, em nosso sistema normativo, o arquivamento, “ex officio”, por iniciativa do Poder Judiciário, de peças informativas e/ou de inquéritos policiais, pois, tratando-se de delitos perseguíveis mediante ação penal pública, o ato de arquivamento só pode ser legitimamente determinado, pela autoridade judiciária, em face de pedido expresso formulado, em caráter exclusivo, pelo próprio Ministério Público.
Irrecusável, desse modo, quanto a esse específico aspecto da matéria, a correção do julgamento emanado do E. Superior Tribunal de Justiça e que, no caso ora em exame, reconheceu não ser lícito, ao Poder Judiciário, ordenar o arquivamento de inquérito policial (ou de peças de informação), sem prévio requerimento do Ministério Público.
Ocorre, no entanto, que a Defensoria Pública da União sustenta que o E. Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, permitiu que se reabrisse “procedimento investigativo” em torno de fato alegadamente destituído de tipicidade penal, aí residindo, segundo enfatizado nesta impetração, a caracterização de injusto constrangimento ao “status libertatis” do ora paciente.
Estabelecidas tais premissas, passo a examinar o pleito cautelar ora formulado pela parte impetrante. E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, o acolhimento do pedido de liminar, eis que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da concessão da medida em causa.
É certo, como anteriormente acentuado, que o inquérito policial não pode ter o seu arquivamento ordenado, “ex officio”, pelo Poder Judiciário, cuja decisão, nesse tema, depende de pedido expressamente formulado pelo Ministério Público, nos casos de delitos suscetíveis de persecução mediante ação penal de iniciativa pública.
Não obstante tal entendimento, pode, o magistrado, se eventualmente vislumbrar, em determinado procedimento persecutório, a ausência de tipicidade penal dos fatos investigados, reconhecer a configuração de injusto constrangimento, e, em conseqüência, exercendo o dever-poder que lhe confere o ordenamento positivo (CPP, art. 654, § 2º), conceder, “ex officio”, ordem de “habeas corpus” em favor daquele que sofre ilegal coação por parte do Estado, consoante tem proclamado tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Pet 3.825-QO/MT, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES – RT 527/455, Rel. Min. THOMPSON FLORES) quanto aquela emanada do E. Superior Tribunal de Justiça (HC 28.796/SP, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA – RHC 4.311/RJ, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO).
Tal, porém, não sucedeu na espécie, eis que o Tribunal apontado como coator deixou de exercer a prerrogativa fundada no art. 654, § 2º, do CPP, muito embora o fato sob apuração aparentasse desprovido da necessária adequação típica.
Faço tal afirmação, considerada a circunstância de que não estaria configurado, no plano da tipicidade penal, o crime de desobediência objeto da investigação estatal ora questionada, pois, como se sabe, a atividade desenvolvida pelo Presidente do Tribunal no processamento dos precatórios decorre do exercício, por ele, de função eminentemente administrativa:
“Inquérito. Recurso em sentido estrito. Sentença que não recebe a denúncia. Ex-Prefeito. Não-pagamento de precatório. Descumprimento de ordem judicial. Art. 1º, inciso XIV, segunda parte, do Decreto-Lei nº 201/67.
……………………………………………….
2. Na linha da firme jurisprudência desta Corte, os atos praticados por Presidentes de Tribunais no tocante ao processamento e pagamento de precatório judicial têm natureza administrativa, não jurisdicional.
3. A expressão ‘ordem judicial’, referida no inciso XIV do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67, não deve ser interpretada ‘lato sensu’, isto é, como qualquer ordem dada por Magistrado, mas, sem dúvida, como uma ordem decorrente, necessariamente, da atividade jurisdicional do Magistrado, vinculada a sua competência constitucional de atuar como julgador.
4. Cuidando os autos de eventual descumprimento de ordem emanada de atividade administrativa do Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, relativa ao pagamento de precatório judicial, não está tipificado o crime definido no art. 1º, inciso XIV, segunda parte, do Decreto-Lei nº 201/67.
5. Recurso em sentido estrito desprovido.”
(Inq 2.605/SP, Rel. Min. MENEZES DIREITO –

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